quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Sexo: prazer ou gozo?

Sem a cafajestada que poderia representar o tema, gostaria de refletir um pouco sobre ele. Vem-me, a princípio, que nós os humanos, temos pelo menos 3 pontos de alavancagem, que movem nossas vidas. A busca da satisfação social, da satisfação familiar e finalmente a busca pela satisfação individual.

A satisfação social seria a nossa existência ser reconhecida pela sociedade como profícua e produtiva e representada pelo "quanto" temos em "grana" no banco ou na caderneta de poupança ou em quantos bois no campo. Não podemos nos iludir e ignorar que a sociedade nos dá como reconhecimento os numerários que podemos ganhar ou amealhar pela vida afora.

De uma maneira geral, o homem ou a mulher é reconhecido e principalmente aceito e respeitado socialmente pela sua capacidade de ganhar e armazenar dinheiro. Leia-se capacidade de gastar, porque o ato de gastar vai fornecer ao próximo, a oportunidade dele também poder ser reconhecido socialmente como via de conseqüência.

Na verdade a sociedade só reconhece em nós, a oportunidade de em algum momento poder nos tirar "algum". Sem essa possibilidade, de repente as pessoas nem olham na sua cara ou pior, fingem que não estão te vendo. A realidade é dura, mas pensando bem e sem paixão, vamos verificar que é isso mesmo. A sociedade espera de nós dinheiro ou vantagem.

A satisfação familiar seria nosso trabalho. É o meio de podemos gerar o indispensável para nossa família e, em última análise, a perpetuação da espécie humana. É do trabalho que pensamos e providenciamos os meios para os filhos estudarem; para aquisição dos nossos símbolos sociais como carrão, celular, roupa de grife, para a casa com piscina; para a aposentadoria; para o laser da 3 ª idade; e enfim para um velório concorrido e com direito a discursos inflamados e choros compulsivos.

A satisfação individual seria a satisfação sexual. Seria aquela que só a nós diz respeito, aquela que temos no íntimo e que raras vezes expomos o real sentimento ou necessidade. É onde não há engano, onde ou se está ou não se está satisfeito por que não podemos enganar a nós mesmos. É aí é que está a questão.

Podemos satisfazer nossos desejos mais íntimos de duas maneiras. Da maneira animalesca e chula do uso de uma imaginação fértil até os prostíbulos que seria a busca do gozo como objetivo.

A buscar do prazer, entretanto, exige afeto, dedicação, cumplicidade, amor ao próximo, responsabilidade, compreensão e principalmente entendimento e respeito mútuo. Desta forma o gozo é conseqüência e não objetivo.

Essas premissas valem também para as busca da satisfação social e familiar. Depende do modo como você quer encarar a vida, se no gozo ou no prazer. Acredito ser essa a singela maneira de ser que distingue os homens dos animais.

Trabalhar por trabalhar ou casar por casar é uma forma de buscar o menor que a vida pode nos oferecer. O ideal, a busca da satisfação plena é simplesmente fazer o que tiver de fazer por mero e ingênuo prazer. Caso fosse esse o objetivo primeiro dos homens, não teríamos tantos menores e maiores abandonados nas ruas.

A solidão do homem

Esta semana eu recebi um e-mail de uma leitora que me pediu para não ser identificada. Ela me falou sobre a vida do homem moderno e como "as coisas mudaram nestes últimos tempos". Falou sobre a falta de valores e de como o homem, cada vez mais, está se tornando um solitário por conta disso. Disse também sobre a televisão, onde as notícias versam somente sobre a corrupção, crime e desmandos do poder público, onde agasalhos e remédios doados pelos países mais ricos são deixados para apodrecer no porto por que algum infeliz não soube o que fazer, ajuda solidária para as tragédias da chuva são roubadas e muito mais

Longe de mim contestá-la. Só gostaria de aproveitar o gancho sobre o homem moderno e disser que ainda bem que hoje se pode falar sobre o assunto. Que o homem, durante esta sua estada nefasta na terra tem se comportado como um canalha é um fato inegável.

No passado tinha-se que o homem era a expressão central do universo, mas isso hoje mais parece conversa para se jogar fora ou, no mínimo, a caminhada das ilusões perdidas. Mas se estuda o homem e mais e mais se tem a impressão que o homem biológico é vazio de significado. O que já foi uma obra prima da criação divina mais parece hoje como subproduto acidental e sem sentido.

Na época do obscurantismo o homem se via como um semi Deus, aliás, mesma época em que o homem acredita que as mulheres eram inferiores. O homem se dizia o melhor e suas ações para com os outros era simplesmente uma concessão quase divina. O que mais poderia haver por traz da caridade, da filantropia, e dos outros sentimentalismos do passado? Todas essas tolices eram baseadas na noção que o homem era um animal glorioso e indescritível e que sua existência tinha que ser assegurada a qualquer custo. Obviamente esse raciocínio é de uma estupidez profunda. Dentro do espaço limitado da Terra o homem nada mais é que um animal grosseiro e ridículo.

Acho que nenhum outro animal é tão estúpido e covarde como o homem. Nenhum outro animal é tão incompetente para se adaptar ao próprio meio. Veja a criança; Não é capaz de sobreviver se abandonada por uns dias e é extremamente frágil e doentia e leva essa herança até a morte, mesmo que disfarçada em corriqueiros resfriados. O homem se fere e se cansa com facilidade e é incapaz de sobreviver sem os adornos da vestimenta e das armas. Acho o homem o supremo verme da humanidade. Como a Terra poderia ser muito melhor sem ele, por que de fato, o homem nunca vai para o que é verdadeiro; prefere sempre a soberba e o falso.

Mas como existimos, a resignação seria o melhor remédio. Melhor mesmo seria a conscientização do que realmente somos. Talvez assim, a avidez mórbida da humanidade pelo progresso, possa se canalizar no sentido de abrandarmos nossos defeitos atávicos se preocupando mais com nossos semelhantes. A preocupação com os semelhantes é indiscutivelmente a saída para a solidão. Sem os "outros" somos sós e ainda bem que, pelo menos hoje em dia, estamos nos reconhecendo publicamente como devassos, corruptos e mal feitores. Ainda é pouco, mas acredito que ainda temos chance de sermos alguma coisa que valha a pena, que tenha sentido.

modernidade

Depois do almoço, por mais apetitoso que seja um novo prato de comida o máximo que queremos é uma garfadinha. Não há como almoçar até se fartar no mesmo dia. Isso vale também para as informações. Quando vc tem muito filmes para ver num fim de semana ou vc esquece algum ou, você assiste outros no meio de cochilos. Normal.

Pior que isso é que mesmo se temos tempo de assistir todos os filmes não da para refletir sobre eles e muitas vezes até misturamos cenas de um para o outro em casos extremos.

Há 20 anos atrás, um amigo meu deu um cartão de visita e tinha lá o e-mail do cara. Que cidadão importante. Ele tinha e-mail.

Pela evolução dos fatos, estima-se que em menos de 20 anos tudo, tudo mesmo, que estiver sendo vendido nas prateleiras ainda não tenha sido inventado hoje. Fico imaginando meu avô que ia para a fazenda de carro de boi se pudesse voltar nos dias de hoje e se deparar com um celular. Aquela caixinha pode falar com o mundo inteiro e mais, pode ver o mundo inteiro. Ele morreu há menos de 50 anos, mas se voltasse hoje morreria novamente de enfarte ou de incredulidade crônica.

Fico imaginando se eu estarei preparado para enfrentar a modernidade daqui a 10 anos. A velocidade da evolução é alucinante e desta forma estarei tão desatualizado lá quanto meu avô ficaria agora.

É tanta informação que recebemos todos os dias que não temos tempo de analisá-las e por seqüência não estamos tendo o desfrute que este mundo de informação poderia nos trazer de benefício de facilidades de bem viver.

Essa avidez por novas informações está, a meu ver, nos encantonando num mundo com mais violência, mais diferenças sociais e culturais. Poderíamos ter mais tempo de lazer se utilizássemos as informações que temos, mas ao invés disso cada vez temos menos tempo disponível, mais responsabilidades, menos qualidade de vida, mais antidepressivos, mais solidão apesar dos modernos recursos que estão ao nosso alcance

A solidão da informação. È isso sim. Cada vez conhecemos e nos relacionamos com menos pessoas reais e mais com figuras virtuais. Vejo casamento serem arranjados via MSN com um aqui outro em alhures. Cultura diferente, língua diferente, relacionamentos diferentes. Hoje o amor foi substituído. O encanto ao outro é pela imagem. Não tem calor. Não tem cheiro nem gosto.

Não conhecemos mais o outro; isso nos tira o conhecimento sobre nós mesmos. Que pena.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

memórias de natal

Desculpe o apressado da hora e acredito que o Senhor não se lembre mais de mim. Ontem me lembrei do Senhor . A última vez que te escrevi faz mais de 50 anos. Gostaria de me justificar e contar com sua sábia compreensão. Naquela época eu deixei de acreditar em Papai Noel, mesmo tendo sido atendido na maioria dos meus pedidos e desejos. Quero agradecer os presentes que recebi e lembro-me da felicidade que sentia em cada natal e da expectativa quase eufórica de esperá-lo até o sono me vencer.

Da carta até o natal eu não me lembro quanto tempo se passava, mas lembro do tempo de espera, da ânsia pela chegada da noite de natal, dos sonhos com meus desejos, da alegria dos preparativos, da minha mãe e da minha avó fazendo a ceia. Quanta alegria e quanta felicidade.

Quero confessar ao Senhor que até agora não sei direito porque deixei de acreditar em Papai Noel. Sei que foi imperdoável. Quanta coisa nova; quanta roupa; quantos brinquedos. Lembro-me de que não sabia qual brincar primeiro e eu precisaria de anos para poder usufruir tudo aquilo. O trem elétrico, o pião, os carrinhos e meu querido e saudoso - “Juco”. “Juco” foi o nome que dei para aquele boneco quase do meu tamanho que o Senhor me deu num dos meus primeiros natais.

Como fiquei feliz com ele. Era quem me dava coragem à noite para dormir; reconfortava-me no meu choro quando eu ganhava umas palmadas; meu conselheiro para as horas de dúvidas; meu parceiro nas brincadeiras, meu confidente e muito mais que isso; meu primeiro grande amigo e companheiro. Obrigado Papai Noel por ter me proporcionado tanta felicidade.

Onde será que o “Juco” esta hoje? Se eu pudesse ainda te pedir alguma coisa era isso que eu queria. Saber o paradeiro do meu amigo, mesmo que ele esteja velhinho e surrado. Queria Papai Noel, pedir perdão a ele por tê-lo perdido e tudo mais que ele representava. Queria disser a ele o que ele representou para mim. Queria resgatar a amizade, a confiança, a esperança, a crença, a alegria que perdi com o “Juco” e mais ainda, queria resgatar minha capacidade de sonhar. Na verdade, Papai Noel, queria sentir a ânsia de esperá-lo de novo, queria sentir o cheiro da cozinha do dia de natal, queria poder brincar de novo.

Papai Noel, o Senhor precisa saber com é bom brincar. Com os carrinhos podemos imaginar altas velocidades em grandes rodovias, perigo dos grandes desfiladeiro e caminhos apertados e, tudo isso nos tapetes da sala ou no terreiro da casa. Com o trenzinho podemos fazer manobras incríveis e viajar para lugares inimagináveis carregando blocos e mais blocos de esperança e tudo isso embaixo da nossa cama. Com os bonecos podemos fazer grandes amizades e ter coragem e confiança para enfrentar os temores da noite e as vicissitudes da vida.

Papai Noel,
Eu queria acreditar em sonhos de novo,
Queria minha mãe de volta,
Queria achar meu amigo “Juco”,
Queria a felicidade ingênua outra vez,
Queria poder dormir te esperando.

Beto.

preguiça aguda

Sabemos que a vida no decorrer dos anos as coisas passam de novidade para corriqueira. Acordei pensando nisso. Acho que foi a performance da Madona no alto dos 50 anos esbanjando jovialidade por todos os poros contra a imagem da minha super esteira parada e sem uso por longos anos.

A minha diferença de performance é justamente a preguiça de ligar a esteira e malhar horas como a Madona.

Já matei a curiosidade de ser esportista e em passado bem remoto quando fui um esportista de ponta. Fumava, bebia, festava e dormia pouco. Exemplo de físico bem tratado, mas mesmo assim fazia minhas flexões e dava minhas corridinhas. Poucas é verdade.

Hoje, quando muito, faço reflexões sobre isso. Já fico cansado só de pensar em andar na minha supre bicicleta de alumínio. Tem até cestinha na frente para trazer compras do supermercado. Que ironia.

Pois é. Voltando a preguiça avassaladora que se abate sobre mim. Posso pensar em mais de uma dúzia de razões justificadas contra a malhação, as academias e as praças de footing. Será quer eu gostaria de ter um tanquinho bem definido ao invés desta minha barriquinha formidável? Claro que sim, só não sei se sou capaz da pagar o preço.

Não troco uma feijoada com cerveja gelada por uma hora na academia de maneira nenhuma. Muito menos um churrasco gordo com farofa criola.

O maracanã e os meus futuros fãs que me perdoem muito, mas não vou lá dançar nunca na minha vida. Viva a preguiça porque se o homem não tivesse preguiça de caminhar nunca teria inventado a roda.

domingo, 9 de novembro de 2008

Saudades dos balangandãs

Quando eu era menino o modelo de mulher bonita era do tipo “boazuda”, que deixava transparecer sensualidade sem mostrar nada de real. Valia mesmo era o desafio da imaginação pelos movimentos e desenvoltura da mulher. As atenções eram os seios fartos que reagiam conforme a dança, pernas grossas e cintura fina e que me perdoem as magras, mas poucos olhares recebiam.

Como as coisas mudam. Hoje vejo as mulheres quase desnudas mostrando nada, pois nada tem a mostrar e mais parecem esculturas. Nada mexe. A impressão que tenho é que a mulher está perdendo seu coração, sua auto-estima, sua sensualidade, sua naturalidade e se transformando num produto cibernético modelada pela plástica numa corrida desvairada e frenética para alcançar a glória de ser apenas uma imagem desnuda.

Imagem passageira, aliás, porque os anos passam rápidos e a tentativa desesperada e a qualquer preço da manutenção do desempenho está as tornando, no mínimo, em ridículas e grotescas figuras.

Velhas pelancudas mostram seios firmes de silicone e barrigas perfuradas pela lipo, perdendo o que é o mais bonito e sensual que é a maturidade e naturalidade.

A perfeição da mulher, segundo Balzac, era a mulher depois dos 30 anos. Hoje as de 30 querem ter a aparência das de 15 perdendo, desta maneira, o esplendor da beleza feminina. É uma pena.

É um tal de tira bunda e põe bunda, tira peito e põe peito que daqui a pouco vão ficar todas iguais e irreais.

Depois as mulheres reclamam que os homens as querem apenas por um momento. Na verdade elas estão se transformando fisicamente na tentativa frustrada da juventude eterna. Passou um pouquinho: troca-se por outra por que o que vale é apenas o desfrute passageiro da figura.

O amor, a paixão e o carinho estão intimamente ligados ao coração e não ao corpo.

O cheiro da mulher também esta se transformando dos aromas silvestre das flores para o cheiro fétido do suor e da fome dos regimes obsessivos, que as transformam em pálidas “Olívia Pálido” - o símbolo da feiúra das revistas em quadrinho do marinheiro Poppye.

Ou isso ou então as gordinhas mesmo. Tenho pena da juventude de hoje pela perda do mais elegante, do saudável e natural, da beleza simples que se leva da juventude para a velhice, da mulher de verdade. Mulher com cara de mulher, cara de amante, cara de mãe, enfim, cara e corpo de gente.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Verdade

Realmente acertei em voltar para Mato Grosso do Sul. Faz muito tempo que não sinto tanto como agora o "estar em casa". Muito boa esta certeza de estar vivendo e convivendo com o que lhe traz alegria e conforto.

domingo, 27 de julho de 2008

Minha mudança

Estamos mudando para Campo Grande MS

Lembrei ontem de a observação de um aluno quando contei uma fábula sobre a galinha e o porco que resolveram fazer uma omelete. A galinha contribuiu com os ovos e o porco com o toucinho. Evidente a galinha permaneceu a mesma e o porco teve dar sua vida para fazer o bacon. O aluno disse que ele gostaria de ser a galinha, pois ele não queria morrer. Na verdade quando eu contava essa estória o objetivo era de estimular a atitude do porco. Dei-me conta que é muito difícil para as pessoas entender e enfrentar essas mortes diárias a que somos sujeitos em todos as horas e em todos os dias das nossas vidas.

Pedi para meu aluno pensar se ele não gostaria de sair da infância para a adolescência, do primário para a faculdade, de solteiro para casado, de empregado para patrão de funcionário para chefe e assim por diante.

Toda vez que queremos alguma coisa da mais simples a mais complexas temos que matar um porco. Sempre.

Minha mudança para Campo Grande é um desses casos. Estou matando o porco de Santos para dar lugar ao de Campo Grande. Claro que há mortes sofridas, mas essa em particular o nascimento da nova situação esta sendo muito prazerosa. Se não for... Outras mortes e nascimentos vão acontecer. Isso é a vida.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

memórias espalhadas

Quanta saudade da “vó Berê”.
Roberto Stoll
roberto@stollnogueira.com.br
Todo dia das mães, meu coração fica apertado. A sensação de que me falta algo fica latente e, por mais natural que seja a morte, não consigo me conformar. Confesso que sinto muita saudade da minha mãe…mais que mãe, minha amiga, companheira, parceira e confidente.
Daqui a alguns dias, vai fazer 6 anos que ela se foi. Se foi mesmo, eu não sei, por que em todo o momento sinto a presença dela. Lembro dela cuidando o jardim, do seu jeito de andar, do seu tricôt, do seu sorriso, e ainda me ecoa no ouvido os gritos dos meus filhos chamando por ela. E ela sempre estava pronta, fosse qual fosse o pedido, que nem uma fada. Ah, como minha mãe me faz falta!
Era um dia de chuva. Garoava e parecia que o céu comemorava pelo ingresso daquela jardineira de mão cheia, que quantas vezes me acariciou, com aquelas mesmas mãos, no momento preciso de um afago. Tratava as pessoas como se trata uma planta frágil que precisa de atenção e cuidados e, só me dei conta disso, depois que ela se foi. Nunca me faltou água ou cultivo e foi assim que ela me fez. Eu tinha sempre a certeza da sua compreensão incondicional e isso me dava força e confiança. Ela quase nada não dizia, mas sua presença era meu esteio.
Meus pensamentos ainda podem entrever seus cabelos brancos, seu olhar curioso, sua fala macia, sua vontade de viver. Lembro-me de que, quando viajava, ela ir verificar a minha mala para ver se não ia me faltar nada. Lembro-me de seus abraços apertados quando eu voltava, das minhas gavetas cheirosas com seus sabonetes e dos seus doces nas horas mais amargas. Para minha infância e juventude os estímulos de minha mãe foram decisivos. No frio, sempre tive um casaco e uma luva feito por ela com muito esmero … aliás tudo que ela fazia era perfeito. No verão nunca faltou um suco gelado e, se porventura tivesse uma gripe, sempre tinha um “leitinho com açúcar queimado”, temperado com muito amor. Lembro ainda dos cafezinhos tomados no fim da tarde. Quanta prosa boa e quanta informação nova para quem quase nunca saia de casa. Sempre me deu tudo e nunca me pediu nada em troca, a não ser de estar por perto, coisa que nem sempre pude fazer.
Nunca vou poder restituir tanto para a minha querida jardineira. É doloroso o sentimento de ter feito menos que devíamos para os que partiram. Nunca me perdoei por isso. Ano passado mandei um recado pra ela. Não sei se já chegou. Mandei por meu neto Mateus, quando ele partiu antes mesmo de chegar, e dizia mais ou menos assim:
Veio como um sopro./ Sopro de uma nuvem/ Branca como o algodão/ dos cabelos da bisa Berê. // Do céu, /Te levei a terra. / Na terra / Te encontrarei de novo / Pra você me levar ao céu. // De anjo te chamarei / De avô me chamarás / E juntos iremos achar / O sorriso da d. Berê.