sexta-feira, 7 de julho de 2023

Meu herói

Eu devia ter uns 8 ou 10 anos, não tenho certeza exata. Nessa época, meus pais decidiram reformar nossa casa e nos mudamos para um apartamento. Logo fiz muitas amizades, mas uma em especial. Era uma menina talvez um pouco mais velha que eu, e éramos vizinhos de porta. Devido à proximidade e à empatia que sentíamos, passávamos a maior parte do tempo juntos. Era uma amizade muito fraterna.


Meu pai era médico e passava muitas horas trabalhando na faculdade, onde lecionava, ou no consultório no centro de São Paulo. Eu o via como uma espécie de semideus, capaz de salvar o mundo e vencer a morte.


Um dia, acredito que fosse domingo ou feriado - lembro disso porque meu pai estava em casa - eu estava brincando na casa da minha vizinha. A mãe dela era divorciada e morava apenas com a filha. Enquanto brincávamos, a mãe da minha amiga estava sentada em uma cadeira na sala, fazendo algo que eu não sabia, quando de repente ela deu um gemido e caiu da cadeira. Corremos até lá e tínhamos a impressão de que ela tinha desmaiado.


Eu disse para minha amiga: "Não se preocupe, vou chamar meu pai e ele vai resolver isso". Corri para casa e chamei meu pai, que foi imediatamente ao apartamento da minha amiga comigo. Ele colocou a mãe dela no chão da sala e examinou-a por um longo tempo. Após alguns minutos, meu pai abraçou minha amiga com delicadeza e disse que a mãe dela estava morta e não havia mais nada a ser feito.


Como assim? Meu pai, meu herói, era incapaz de salvar a mãe da minha amiga, que eu sabia ser a coisa mais importante na vida dela?


Minha mente explodiu com dúvidas e questionamentos. Nunca comentei isso com ninguém em toda a minha vida, nem mesmo com meu pai. Deveria ter feito isso.


Temos a tendência de ver nossos pais como semideuses e custamos a aceitar que eles são pessoas como nós. Da mesma forma, nossos filhos nos veem como ídolos, até o momento em que se decepcionam conosco. Fico imaginando quando foi esse momento, essa passagem com meus filhos.


Minha própria experiência foi difícil, e carreguei essa decepção por muitos anos. Minha relação com meu pai nunca mais foi a mesma. Nunca fui capaz de compreender isso de forma madura. Agora é tarde demais. Meu pai faleceu há 40 anos e sinto falta do abraço que não lhe dei.


Penso nos meus filhos e me pergunto quando eles me reconheceram apenas como um ser humano. Como será que eles sentiram e sentem essa passagem? O que posso fazer para resgatar não a condição de um ídolo supremo, mas a condição de um ser humano que os ama, apesar de meus defeitos e limitações.

Nenhum comentário: